segunda-feira, 29 de julho de 2013

Marcha das Vadias: uma vida de silêncio forçado, um grito ensurdecedor.

Tape os ouvidos. Ele será cada vez mais alto. Marcha das Vadias só parece cruel e escrachado, por que aponta a crueldade de forma escrachada. E desculpa avisar moralista, mas a crueldade é feia. Muito mais do que as vadias, segundo o seu padrão arbitrário de beleza, usado como argumento para deslegitimar uma causa política. 

O porquê da Marcha das Vadias ser necessária? 

Porque o machismo está em absolutamente todos os setores sociais, ideológicos e acredito que todas as culturas. Estava na Marcha das Vadias, em Copacabana, no dia 27/07. A marcha concentrou as 13h, e durou por completo, com revezamento de grupos, até umas 23h. Por volta das 20h fomos impedidos de nos aproximar da jmj por um cordão do exército e ficamos agrupados na praia. Nesse momento percebi um grupo de meninos num estilo Cone Crew, que ficavam constantemente arroizando as mulheres. Até aí tudo bem, era levemente incomodo, mas eles estavam juntos com a marcha e apoiavam e gritavam as palavras de ordem das vadias, em defesa da autonomia da mulher sobre seu corpo. 

Não sei quando, nem porque, o cordão do Exército afrouxou, e a Marcha adentrou Copacabana, onde pessoas do evento católico estavam em grande quantidade. Os gritos eram pela legalização do aborto, pela separação Estado e fé, pelos gastos públicos com o evento religioso, pela autonomia feminina, pelos direitos lgbts, pelo fim da Polícia Militar, pela saída do Cabral, pelo fim da violência policial que assassina nas favelas, contra momentos históricos de extermínio de povos e culturas pela Instituição e PASMEM, por valores que Cristo também pregou - AMOR. 

Infelizmente a hostilidade foi inevitável, e fundamentalistas moralistas horrorizados com peitos femininos desnudos e beijos e trocas de afeto entre pessoas do mesmo sexo, resolveram oprimir gritos por liberdade com rezas, insinuando que manifestantes estariam possuídos por Satanás, já que pregavam liberdade sexual, prazeres carnais, direito de escolha... A manifestação respondeu com a falta de respeito mais do que legítima por uma instituição que massacrou tudo que considerou anti-paroquial e uma afronta a moral e aos bons costumes cristãos na história da humanidade. Os manifestantes gritavam "vou morrer na inquisição" porque assim seria se esta fosse nos dias de hoje. E assim ainda é, de forma velada, tendo em vista a dura perseguição pessoas que os performers da marcha estão sofrendo, a violência aos lgbts, a violência contra a mulher e o extermínio de povos indígenas e de terreiro... e por aí vai. 

Durante  a marcha, para além do confronto peregrinos x manifestantes, muitas cenas foram emblemáticas para caracterizar a necessidade dos gritos da Marcha. Um senhor passou de bicicleta e gritou para o cordão policial "METE A PORRADA NESSES VIADO E NESSAS PIRANHAS", e vi ele sendo aplaudido e arrancando risos dos policiais, inclusive mulheres. Em um momento da Marcha precisei parar em uma padaria para comer, e a marcha passou. Quando corria atrás dela com minha amiga Anaterra, as duas mulheres, sozinhas, com nossas roupas de vadias (alias, somos ambas atrizes, profissão que sempre gosto de lembrar, até anteontem era vista exatamente como PUTA pela sociedade) e batons vermelhos, fomos, as duas que minutos antes gritávamos no amparo da multidão por direito de ir e vir, de se vestir como quiser, contra a violência sexual e a objetificação da mulher, ABSURDAMENTE invadidas por abordagens agressivas em quanto caminhávamos. Dessa vez sozinha, os gritos que em grupo eram vomitados, e abraçados, tornando-os possíveis e seguros, foram calados, e deram lugar ao medo, e a necessidade de correr, para novamente podermos gritar a liberdade sobre nossos corpos. 

É óbvio que ouviríamos que não poderíamos estar ali, sozinhas, vestidas como estávamos, se falássemos sobre isso. A sociedade ensina a mulher a não ser estuprada, porque se ela não cumprir esses ensinamentos, não poderá reclamar quando acontecer. Outro, e talvez o maior dos emblemas para mim foi quando, ao fim da marcha, os "meninos Cone Crew" que flertavam incessantemente, mas gritavam palavras junto conosco, nos ofereceram pipoca. Em um momento de exaustão, depois de 10 horas de marcha, com fome e sede, perguntei para um deles se havia acabado a pipoca que nos ofereceram. A resposta que tive que ouvir me pareceu uma mentira, uma brincadeira de mal gosto - e de fato foi- mas que não parecia real, dado o contexto. Ele, que estava acompanhando toda a marcha feminista, me respondeu "minha pipoca têm LSD, estou drogando vocês vadias para me aproveitar". 

Com a dispersão da marcha, e sem os meus amigos próximos, tendo em vista que tinha me afastado deles para me dirigir a esse menino, considerando-o um companheiro de luta, não consegui reagir a fala dele. Dizer que fui tomada por medo seria muito vitimista, mas certamente fiquei surpresa e horrorizada com uma brincadeira sobre estupro ALI. Mais uma vez na vida,me senti incapaz de responder, e após o comentário de teor agressivo, silenciei. Depois de 10 horas de grito, me vi novamente calada. Naqueles gritos e atos, estava todo o silêncio diário, sufocado. Que não nos deixa respirar tantas e tantas vezes ao longo da vida. Que nos deprime, que nos apaga, que nos excluí, que nos recolhe em casa, que nos tira o direito de nos pertencer, que nos tira o direito de escolher, que nos reprime e amedronta se tentarmos ser livres, que nos "coloca no nosso lugar", que diz qual é nosso lugar, aonde devemos ficar e aonde não devemos ir. O que pode acontecer se desafiarmos essa ordem social. 

Naqueles gritos estavam toda a dor direta e indireta, pessoal e histórica, que nos fizeram sofrer simplesmente por sermos mulheres. Uma em cada 4 mulheres que você conhece vai ser agredida ao longo da vida. Então agora pare e despragmatize essa informação! Faça o exercício doloroso de pensar em 4 mulheres conhecidas, e pensa que no mínimo 1 delas já foi agredida POR SER MULHER. Não estamos falando de violência como a que todos estão vulneráveis. Nessa estática não entra TODA violência contra uma mulher, mas toda violência cometida contra uma mulher por ela ser mulher. Sacou a diferença? O corte de gênero? 

Sério, se você tem empatia e solidariedade nesse coração, mas ainda questiona as necessidades do movimento feminista, sugiro que pesquise e reflita sobre isso. Eu já fui violentada, e ao abrir isso fui despragmatizando as estáticas, descobrindo a quantidade de companheiras, de amigas, de pessoas da família que passaram por experiências similares. E essa quantidade é absurdamente maior do que o silêncio das mulheres, envergonhadas e culpabilizadas pela violência, pode te permitir ter acesso. Mas estranhamente, é nessa compreensão enraizada, nessa conexão através da dor, que nos amparamos, e nos fortalecemos. E decidimos apaziguar os medos umas das outras, e torna-los combustível de luta. Fazer do silêncio lancinante o grito que corta as almas, os corações e os paradigmas sociais. Juntas vamos ocupar todos os espaços que nos foram impedidos, vamos cuspir tudo aquilo que nos forçaram a engolir, vamos reverter em coragem, todo o medo que nos impuseram. E saiam da frente. Porque essa passagem vai ser forte. E vai doer. Em nós e em todos. Mas vai transformar. 

Por último gostaria de lançar a ideia que tenho, de que todos aqueles que agora espumam de raiva e moralismo diante da performance que quebrou imagens e insinuou sexo com objetos religiosos, pedindo a crucifixão dos responsáveis, certamente estavam e estariam na praça para ver as bruxas, os ciganos, os ateus, os diferentes e os que contestam sendo queimados, enforcados, guilhotinados. Fizeram e fariam isso em clima de festa. Celebraram e celebrariam a inquisição. E sem dúvida alguma, são os mesmos que pediram e celebraram a morte de Cristo. Afinal, Cristo foi contestador e libertário, e isso é absolutamente proibido para estas pessoas. 

Fundamentalista ignorante e opressor, ao apontar a violência de Estado, a opressão institucional, a mercantilização da fé, a corrupção do homem e até ao beijar outra mulher, estou muito, muito mais perto de Jesus do que você. 

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Publico aqui doc que elaboramos no ENPOP

ENCONTRO POPULAR SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS

Violências de Estado no Rio dos Megaempreendimentos

CARTA FINAL


"Nos dias 12, 13 e 14 de julho, militantes, movimentos sociais do Rio, São Paulo e Salvador, estudantes e pesquisadores, organizações políticas e de direitos humanos, moradores de favelas, periferias e comunidades pobres impactadas por intervenções militares, pela violência policial, por grandes reformas urbanas, pelos megaempreendimentos e pelos megaeventos, estiveram reunidos no “Encontro Popular sobre Segurança Pública e Direitos Humanos: Violências de Estado no Rio dos Megaempreendimentos”.Debatemos coletivamente as diferentes formas de violência praticadas pelo Estado no contexto de consolidação de um modelo de desenvolvimento que impõe uma cidade privatizada e militarizada.

O encontro, planejado desde dezembro de 2012, ocorreu no contexto das diversas manifestações que tiveram início com o questionamento acerca das políticas de mobilidade urbana e aconteceram em todo o Brasil a partir de junho de 2013. Intensifica-se nas ruas a contestação das opressões e violações históricas, que atualmente se traduzem no desenvolvimento de ações do Estado de controle e extermínio dxs pobres e negrxs, de ampliação da gestão militarizada da cidade, de encarceramento em massa, de processos de despejos de ocupações sem teto e remoções de favelas, de higienização dos espaços públicos, de criminalização da resistência popular, e em políticas públicas conservadoras e privatizantes. A lógica das ações do Estado orienta-se, portanto, não para a construção de políticas públicas democráticas, emancipadoras e de proteção da vida, mas para a satisfação e garantia dos interesses dos grandes negócios. Nessa conjuntura, essas ações são realizadas com o pretexto de garantir a concretização de megaempreendimentos e a realização dos megaeventos.

Nesse contexto, a construção de espaços coletivos e horizontais para articulação de estratégias de resistência, não é apenas necessária, mas urgente. É central fortalecer a organização a partir daqueles que são diretamente atingidos pela lógica de exploração e opressão, potencializar os espaços historicamente construídos e produzir novas formas de agir coletivamente frente à reconfiguração do mundo do trabalho no campo e na cidade.

A mídia hegemônica é um dos grandes instrumentos para a legitimação da violência, da precarização da vida e da discriminação de negrxs, pobres, nordestinxs, mulheres, LGBTs, movimentos sociais e moradorxs de favelas e periferias. É necessário, portanto, valorizar a contrainformação que vem da mídia independente e das redes sociais como forma de resistência e lutar pela democratização dos meios de comunicação. Fortaleceremos, assim, uma rede autônoma de denúncias de violações, solidariedade e proteção entre nós mesmxs.

Nos últimos anos, assistimos a intensificação de um modelo econômico cujo objetivo é afirmar o território urbano e rural como uma arena de oportunidades de negócios para o mercado global, onde a própria vida se torna mercadoria. Este processo está transformando profundamente a cidade, projetando-a a partir de um olhar militar que desenha os corredores de segurança – verdadeiros corredores de controle – e aldeamentos de obediência para garantir o fluxo das mercadorias e proteger as áreas de investimento do capital. Assim, o Rio de Janeiro é repartido em áreas privilegiadas, territórios descartados e zonas de sacrifício. Exemplos desse processo são a construção do Complexo Portuário do Açu, a instalação do COMPERJ e da TKCSA, a construção do Porto Maravilha e as remoções realizadas de forma direta ou indireta através da especulação imobiliária que aumenta o custo de vida em diversas áreas. É importante ressaltar que as remoções são impostas sem diálogo e afetam prioritariamente as favelas e as populações que historicamente as construíram (nordestinxs, negrxs e trabalhadorxs pobres), os indígenas e os povos tradicionais, que são reassentados em loteamentos sem condição de moradia adequada.

Nesse processo de transformação da cidade observa-se a mercantilização da cidadania, dos espaços e das políticas públicas. Importante exemplo desse fenômeno é a intensa privatização das políticas de saúde, com a gestão de serviços sendo entregue a Organizações Sociais, com a recente aprovação da criação da empresa “Rio Saúde” e crescente investimento público nas Comunidades Terapêuticas para internação de usuários de drogas. Constata-se o avanço do conservadorismo religioso no direcionamento e execução de políticas públicas, a serviço de uma lógica privatista e do lucro. O conservadorismo religioso opera de forma transversalizada na repressão das diversidades e dos desejos. Está presente nas políticas sobre drogas, mas impacta também a luta das mulheres, de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.

Entre xs atingidxs pela retirada de direitos, xs que mais sofrem com esse processo e com a discriminação são os gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, mulheres, povos de terreiros, indígenas, quilombolas, povos tradicionais, pessoas com deficiência, jovens e negrxs. As opressões contra estes grupos se agravam pela lógica machista, homofóbica, racista, proibicionista, e patriarcal de nossa sociedade. Precisamos aprofundar e transversalizar estes debates, inclusive nos próprios espaços de luta que também reproduzem relações desiguais.

A respeito do debate sobre as políticas de drogas, afirmamos que a chamada “guerra às drogas”, além de representar retrocesso na luta antimanicomial, se constitui como dispositivo de controle social, criminalização e extermínio de pobres e negrxs. As ações de recolhimento e internação compulsória de crianças e adolescentes, assim como da população adulta em situação de rua, fazem parte do processo de higienização e elitização da cidade. Marco significativo é o projeto de Lei Complementar 37 do deputado federal Osmar Terra, que tem desastrosos impactos para a saúde pública e na ampliação do controle penal do Estado. Entendendo a “guerra às drogas” como justificativa para políticas de controle e extermínio, apontamos a necessidade de descriminalização e legalização das drogas, acompanhadas do fortalecimento de políticas de saúde pública e de conscientização sobre seu uso problemático. Afirmamos estes como passos fundamentais para a superação do quadro de violações trazido pelo proibicionismo.

É necessário conter o avanço punitivo do Estado que fortalece o controle das populações através da ampliação das categorias consideradas inimigas e que legitima práticas de repressão violenta a partir do discurso de garantia da ordem e da defesa da sociedade. Esse poder punitivo violador, cuja mais grave representação localizamos na atuação policial, opera-se também em perversas práticas do Poder Judiciário e do Ministério Público. Um dos efeitos mais drásticos do controle penal verifica-se no encarceramento em massa, tendo o Brasil hoje a quarta maior população carcerária do mundo. A lógica seletiva e racista dos encarceramentos atravessa os diversos espaços de privação de liberdade (sistema prisional, sistema socioeducativo, manicômios e abrigos) caracterizando um processo de segregação, isolamento e controle de populações marginalizadas pelo capitalismo. Dentro do projeto de transformação radical da sociedade é imperativo superar essa realidade que impõe para uma enorme parcela da sociedade a violação de direitos mais elementares e práticas cotidianas de tortura. Nesse cenário, repudiamos de forma veemente a tentativa de redução da maioridade penal e de aumento do tempo de internação para adolescentes no sistema socioeducativo. Igualmente, denunciamos a ameaça da lei antiterrorismo, que surge no sentido de criminalizar as lutas e resistências.

Com relação às políticas de segurança pública o debate sobre a desmilitarização é prioritário e urgente. A lógica militar impõe a perspectiva da guerra e do confronto bélico na qual há um território a ser ocupado e um inimigo a ser combatido. Os territórios em questão são favelas e periferias e o inimigo, as classes populares. A gestão militar da segurança pública afirma-se nas históricas operações e invasões policiais justificadas pela “guerra às drogas” com caveirões e outros aparatos de guerra – como na chacina ocorrida no dia 24 de junho na Maré, com mais de dez mortos, em meio às manifestações do período –, na expansão das milícias sobre as regiões periféricas da cidade, configurando um controle “paramilitar” dessas áreas que traz formas específicas de privação de direitos, e na implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

As UPPs não são um modelo alternativo de segurança pública, mas sim uma prática policial nova que se articula ao velho modelo de gestão militar da pobreza urbana, sendo uma estratégia central do Estado na garantia do processo de privatização da cidade. A UPP opera como controle militar do cotidiano e da vida, dos espaços públicos, da juventude, da circulação, da livre comunicação e produção cultural nos territórios. A “política de pacificação” intensifica a segregação, submetendo os debates sobre políticas públicas ao debate da segurança e afirmando a favela como um território a ser neutralizado. Para pôr fim a este quadro de violações, acreditamos que é necessário acabar com a militarização dos territórios da cidade, como é o caso das UPPs. Queremos que o Estado esteja presente nas favelas a partir da garantia ampla, efetiva e eficaz dos direitos de seus moradorxs e não com a militarização do cotidiano e da vida destes locais.

No contexto da escalada do uso da força repressiva pelo Estado, consideramos que as armas menos letais, em lugar de diminuir seu poder bélico, o intensifica. São alvos privilegiados desse aspecto da violência estatal os camelôs, manifestantes e população em situação de rua.

Afirmamos a necessidade da desmilitarização imediata da segurança pública. Para tanto, é central compreendermos a articulação das violências de Estado do presente com as violações históricas do estado brasileiro, do genocídio dos povos indígenas e originários, do massacre representado pela escravidão da população africana sequestrada e seus afro-descendentes neste território, à opressão continuada de trabalhadorxs em êxodo forçado pelo capital, assim como todo o período mais recente da ditadura civil-militar no Brasil. O esclarecimento sobre a violência institucional praticada nesses períodos, a luta pelo direito à memória, à verdade, à justiça e à reparação desses crimes históricos (o genocídio indígena e africano, os crimes da ditadura civil-militar, Carandiru, Candelária, os Crimes de Maio, os Crimes da Polícia da Caatinga baiana, o massacre Guarani Kaiowá em pleno estado democrático nos dias de hoje, entre outros),são etapas necessárias para a superação do quadro atual.

Todas as pautas apontadas nessa carta são necessárias e urgentes. Esbarram, no entanto, no limite do modelo de segurança pública instituído nos marcos do Estado capitalista que por natureza é repressivo. Por isso apontamos a necessidade da construção de formas de poder popular na luta pela superação do sistema capitalista.

Considerando os principais desafios colocados pelo atual contexto político, o Encontro Popular sobre Segurança Pública e Direitos Humanos formulou, a partir de suas discussões, diretrizes e propostas, sistematizadas em seu Caderno de Resoluções."

Obs: O Documento foi escrito, lido e corrigido em coletivo. Apenas expressões que tivessem o consenso absoluto no debate da plenária final do encontro fazem parte desta redação.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Mídia: para morto na favela não tem luto, mas para banco e loja no Leblon elabora-se?

Cara, eu acho INACREDITÁVEL que a mídia tenha exibido o dono da Toulon chorando lágrimas de prejuízo, dizendo que nunca viu tamanha maldade na vida, e que depois disso as pessoas não deem gargalhadas, ou não desliguem a TV. Eu acho inacreditável que a mídia parece intencionalmente ignorar o fato das roupas da loja saqueada terem sido distribuídas para moradores de rua. Eu acho inacreditável que se elabore uma espécie de luto em relação aos danos materiais no Leblon, sem relacionar que os bancos quebrados são patrocinadores da opressão, patrocinadores de eventos que violam os direitos a moradia e a vida, que usam mão de obra escrava em obras de construção de agências, e após investigação não são responsabilizados de indenizar. Que pagam pelo despejo de povos e comunidades inteiras, e pela constante ameaça de morte que os resistentes sofrem. Que pagam por milícias e jagunços que massacram esses resistentes que lutam por moradia. Eu acho inacreditável que uma chacina tenha acontecido na Maré(!), um trabalhador da Rocinha esteja desaparecido(!), e sua família esteja sob ameaça de morte por se articular para dar visibilidade ao caso(!), e ainda consigam convencer o mundo, de que malvado e desumano é o Black Bloc e suas ações de libertação de todas essas formas de opressão. Aliás, eu acho incrível que a palavra MASCARADOS consiga ser proferida por JORNALISTAS. Como se essa não fosse uma profissão que conhecesse bem a perseguição e a necessidade de proteção do anonimato para garantir a própria integridade. É absolutamente descarado, o fato de que conhecem a real razão do uso de máscaras, mas estão ignorando ela, para poderem criminalizar alguma parcela do movimento. A pauta é criminalizar uma parte dos manifestantes, e separa-los, deixando claro que não existem uma unicidade de ação em relação ao "vandalismo", mas que não precisa existir, porque uma vez a presença de "vândalos", a repressão policial se faz necessária e justificável. Repressão esta que eles, que só veem do céu chamam de "ação", mas que nós, que estamos na terra sabemos que é uma instauração do terror, um dominó com suas motos, uma postura de quem não teria pudor em matar, e que ainda estaria fazendo isso rindo, com prazer. Sabemos que isso não é ação de contenção nem nesse, nem em outro mundo reinventado. Alias, reinventemos um outro mundo, com democratização da informação, para que eles não tenham mais espaço para suas distorções da realidade.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Sobre os protestos no casamento de neta de Jacob Barata em 14 de julho

Na boa mundo, que se f#*;@ a festa de casamento da Baratinha! Não existe nenhum mal no protesto no casamento, ainda que essa seja uma festa da vida privada. Protesto nos casamentos dessas pessoas não é NADA! Protesto bem-humorizadíssimo por sinal. Protestos recheados de criatividade e simbolismo. Um dos símbolos aliás, é a referência histórica, dos protestos no casamento terem ocorrido na madrugada de 14 de julho. Data da Tomada da Bastilha, tomada de poder pelo povo e pela burguesia na Revolução Francesa. Revolução que cuminol na elaboração constituinte do primeiro documento de Direitos Humanos. 

E será constrangimento é ter um casamento marcado por protestos? Constrangimento é o empurra-empurra diário nos ônibus lotados, os assédios propícios no transporte público, as condições de trabalho nesse setor, a dupla-função motorista cobrador que exige o raciocínio matemático, a manipulação de dinheiro e a direção, tudo ao mesmo tempo, colocando a vida de milhares de usuários e trabalhadores do transporte público em risco todos os dias. O motorista que trabalha horas sem poder ir ao banheiro, isso é constrangimento! Que se foda o casamento do opressor, a vida privada dele tem mais é que ser interditada pela revolta que ele provoca. 

O corrupto, opressor, têm que se constranger por viver de reproduzir práticas de opressão, exploração e violação. Ele é responsável por um modelo de sociedade excludente. Se ele restringe a vida e não tem pudor em restringir os espaços sociais das camadas dominadas, que invertemos a ordem restringindo também o seu espaço ué! Que seu posicionamento de dominação restrinja por uns momentos a sua liberdade, assim como restringe a nossa todos os dias. O mínimo que o opressor tem é que se constranger-se!

Isso tudo refletindo sobre as ações, sem levantar os fatos da violência sofrida na manifestação por parte dos convidados do casamento, que ridicularizaram e xingaram e entraram em embate físico com puxões de cabelo e socos na barriga dos manifestantes. Sem esquecer de apontar o caso emblemático de um cinzeiro de vidro que voou da sacada do hotel, atingindo a testa de um manifestante, morador do Complexo do Alemão (apenas uma informação para os que dizem que a manifestação foi exclusiva de moradores da zona sul de classe média, como já li pela internet) e ferindo-o. A polícia, que estava no local contendo a manifestação, se recusou a entrar no hotel para apurar o crime de agressão em flagrante. Apenas um policial e um advogado tentaram entrar para identificar daonde e quem era responsável pelo ataque, e foram impedidos pela segurança do Hotel. 

Além dos ataques físicos, aviõezinhos de notas de R$20 e camarões foram atirados à manifestação, principalmente pelo garoto identificado como Daniel Barata, neto de Jacob Barata, também suspeito pela atirar com o cinzeiro. Os primeiros arremessos foram assumidos pelo garoto com pedidos de desculpas. O mais grave foi negado por ele em sua página da rede social.

Fora confrontos incitados por convidados, a manifestação também sofreu brutalidade do instrumento de repressão do Estado, a PM e o contingente do Choque, sobre os gritos da elite de "vai choque", em violação clara ao direito a manifestação e proteção aos interesses privados. Logo eu pergunto, HONESTAMENTE: com toda violência que a manifestação no casamento de Beatriz Barata com Francisco Feitosa sofreu, resultando em FERIDOS, o discurso que você vai sustentar é o senso comum do direito ao casamento "sem confusão"? Se é, existe um grave erro de formulação e percepção da opressão aí. Se entre um ataque subjetivo e simbólico, e uma violência física óbvia, e o que mais te incomoda é o primeiro, você não está zelando pela vida, nem pela liberdade e tão pouco pela opinião. Está defendendo os interesses privados de personagens magnatas que exploram sem pudor e esquecendo dos interesses populares, dessa massa diariamente oprimida, em função desses personagens. É do lado deles que vai te gerar empatia? Eles merecem essa sua empatia?

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Diná e as atrizes

Minha gata Diná é cinéfila!
Ela sempre assisti os filmes exibidos. A tv pode ficar ligada na tv, que ela ignora solenemente. Dorme. Passeia. Se alguém coloca um filme ela se senta no sofá, diante da tela e assisti até o fim. Depois vai embora com a mesma naturalidade.
Ainda agora, ela estava há horas aqui na cama comigo, se mexendo pra lá e pra cá, dormindo, roncando. Enquanto eu usava o computador no colo, ela fazia seus sons e estava num mundo a parte de interagir. Foi um amigo me enviar um curta no youtube e eu dar play que ela subiu no meu ombro e começou a olhar a tela.
Foi o filme acabar e eu abrir novamente as outras páginas da internet que ela se mexeu para sair de novo. Foi para a poltrona. Não me resta nenhuma dúvida de que se rodar outro filme ela retorna.
Eu bato nessa tecla de que Diná ama cinema há anos e ninguém leva a sério. Sempre me dão aquele sorriso de "como a Diana é criativa, que bonitinha". Mas ela confirma isso sempre.
No dia da cerimonia do oscar esse ano, eu estava no computador imprimindo um trabalho. A tv, num péssimo hábito lobotomizante, estava ligada, baixo. Quando começou a transmissão do oscar ela subiu no sofá, e se posicionou frente a tela, na única vez que a vi ter essa postura diante de um programa de tv. Ficou me chamando, até eu sentar e ver a cerimonia toda com ela.
Quando penso em estar nas telas, além da vaidade e da paixão íntima que gira em torno disso, tenho a sensação de que de todos da minha família, ninguém sentiria mais orgulho e se sentiria mais representado, de me ver num filme do que ela.
Sinto que Diná é uma atriz que sonha com as telonas, presa dentro do corpo de um gato. E se há uma atriz presa no seu corpo de gata, há uma gata presa no meu corpo de atriz.
Sempre quis ser uma gata, por entende-la livre, caçadora, selvagem, de alma independente. Que corre pelos telhados e sobe pelas árvores. Que se defende dos perigos com as próprias garras. Que tem os olhos cerrados com a luz do sol. Que tem a língua áspera e os movimentos sensualíssimos.
E sinto que Diná sempre quis ser uma atriz de cinema por entende-las corajosas. Dessas que se sacrificam, dessas que têm humildade. Que se entregam a própria insegurança. Que caminham no escuro, sem nunca saber onde vão chegar. Que assumem a responsabilidade, horas prazerosa, horas terrivelmente dura, de sensibilizar o homem, de despertar, de mover, de tirar da apatia o espectador.
A partir disso, sinto que eu e Diná nos realizaremos através uma da outra. Seremos nossa essência, uma pela outra. Em homenagem, dedicação e amor. Entrega. Meu corpo é teu. E por isso meu corpo é de todas, para ser todas que tiver a honra de ser, no registro das lentes, exibido nas telas.

sábado, 13 de julho de 2013

Manifestante ou modelo?

Eu tenho uma vaidade, claro: como jovem, como artista, como mulher. Mas eu elaboro e aplico ela em qualquer âmbito da minha vida, pessoais, menos na minha luta, porque ela é a construção e contribuição social que vou oferecer ao meu coletivo. A Luta é lugar de se fundir, de ser célula de algo muito maior que eu, do que você. É uma construção coletiva. Carregar egocentrismo para a luta, vaidade, ego inflamado de pavão exibicionista, é a maior falta de bom-senso e espírito coletivo que observei das manifestações que atingiram grande quantidade de pessoas, em junho de 2013. 
Luta não é lugar de promoção pessoal, de auto-divulgação e melhora da imagem para a aceitação social em meios supostamente engajados. Fotografias são registros de denúncia fundamentais que temos. Nesse momento histórico de difusão da produção e veiculação da informação, tudo que se registra em audiovisual é absolutamente importante para nos legitimarmos e provarmos veracidade sobre a nossa versão dos fatos, nossos relatos. Fotografias não são para serem gastas em imagens que só divulgam a si mesmo na rede social... a si e ao seu rosto jovem, branco, e de pele bem cuidada de quem não sente a repressão policial assassina e diária, o esgoto a céu aberto, as mãos castigadas por trabalho e a barriga vazia. Da próxima vez que se propor a se juntar a luta, venha, traga seu grito, seu peito, sua indignação e criatividade, seu ímpeto para somar, sua coragem para resistir e seu desapego para se integrar, mas tente deixar a vaidade em casa. 

E se trouxer a câmera fotográfica, tente usa-la para registrar algo que somará ao movimento e a nossa autonomia na comunicação, não para modelar.

Sobre as contradições do Gigante e a Luta genuína

A luta sempre existiu, a resistência sempre se fez necessária e forte nas bases, e as manifestações de junho agora reverberam. Mas um gigante que estava nas ruas sem nem saber porque estava lá de tão sonâmbulo, preferiu voltar pra cama, e ficar dando soneca no despertador pro resto da vida de novo. 

Voltou para a inércia na mesma velocidade em que saiu, Gigante? 

Excluí o povo que estava lá, mas que sempre foi de luta por necessidade de se afirmar: o povo oprimido, o povo que resiste diariamente, que luta por dignidade, comida, moradia e para garantir sua vida. Não estou falando de trabalho e sustento com garantia de vida. Estou falando em garantir de não ser morto pelo sistema excludente, pelo estado. Esse povo que inventou a economia solidária não por beleza, mas por necessidade de sobrevivência, e que está na busca por espaço e batendo na tecla da inversão da lógica da ordem e do poder popular há anos!

Cadê a galera que estava gritando, se pintando e postando falso ímpeto por mudanças nos debates políticos, de plenárias à mesas de bar e até mesmo no jantar com a família?

Voltou a dormir na cama quentinha garantida.